Diante da complexidade e da incerteza do mundo, abrace a dúvida
- Nely Silvestre

- 19 de set. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de out. de 2022

Somos o tempo todo cobrados por certezas. Quando pequenos, frequentemente nos vemos obrigados a responder a famigerada pergunta: o que você vai ser quando crescer? Uma boa resposta seria: pra quê preciso saber o que serei, se já sou? Essa pergunta feita por nossos pais, tios e até mesmo por nós, repete um padrão cultural inconsciente, como se fosse possível ter esta certeza ainda nos primeiros passos da vida, quando muitas vezes não as temos nem na fase adulta. Talvez nunca tenhamos uma definição certeira de quem somos. Acredito mais no ir sendo, no vir a ser. Irmos nos fazendo durante o caminho, neste tempo verbal inexistente que abraça o já é e o ainda será ...
Na adolescência, nos perguntam: que horas você volta? A minha adolescente adoraria responder: não faço a menor ideia de que horas chegarei, depende de quão boa estará a festa… E mal sabia ela, a minha adolescente, que dependeria também de milhões de outras variáveis incontroláveis para saber que horas voltaria ou até mesmo se voltaria.
Guimarães Rosa disse: “a vida é feita de poucas certezas e muitos dar-se um jeito”. Acho sábias as palavras dele e penso que nos convidam a duas coisas: encontrarmos quais poucas certezas são essas e descobrirmos jeitos de lidar com os “dar-se um jeito” na vida.
Sobre descobrir as poucas certezas, acredito que saber e listar seus valores éticos e inegociáveis seja um bom caminho. Normalmente estes valores são poucos e é raro mudarem ao longo da vida, além de serem ótimos balizadores nas tomadas de decisão diante de dilemas e situações ambíguas. Outra certeza radical é que iremos morrer. Falar de morte ainda é um tabu, mas aceitar esta certeza conecta os dois convites de Guimarães, nos ajudando a lidar com a tremenda incerteza da existência.
Sabermo-nos finitos e termos consciência da total ausência de controle sobre como e quando isso irá acontecer, pode nos ajudar a sustentar a dúvida, a pergunta e o não saber. Nos dá a dimensão do mistério e nos intima a fazermos o melhor que podemos no tempo que temos, vivos. Esta constatação traz duas reflexões paradoxais: Quem somos nós para termos muitas certezas diante do mistério? Quem somos nós para paralisarmos diante das incertezas e do mistério?
Já dizia o poeta espanhol Antônio Machado: “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. Seguir sendo e caminhando é a lei. As respostas virão. Namorar a dúvida para encontrar novas respostas que antes não poderiam ser vistas ou até mesmo para que surjam outras perguntas. As perguntas abrem possibilidades e as repostas definem, dão fim. Não estou dizendo que não precisamos de respostas, mas diante da complexidade, buscar convergência prematura, solução, fim, resultado, nos leva ao risco de repetirmos padrões anteriores ou de não “mastigarmos” a questão por tempo suficiente para que da digestão, emerja o inédito.
Para lidar com a incerteza e “dar um jeito” precisamos dar um passo pra trás, sairmos do modo resolver e entrarmos no modo re-solver. No modo resolver, olhamos para o desafio, separamos em partes e consertamos o necessário. No modo re-solver, não há o que consertar e, ao invés de dividirmos, incluímos e observamos o todo à partir das interações de suas partes. Desta mistura inclusiva e interativa, novas respostas e perspectivas surgem, não pelo nosso controle, mas sim pela simples (complexa) beleza do inesperado.
Num livro chamado “A simples beleza do inesperado” (a frase anterior não veio ao acaso), o físico Marcelo Gleiser diz: “às vezes, partimos numa busca cheios de certezas apenas para descobrir que nossos objetivos mudaram no meio do caminho”. Talvez esta também seja uma certeza: nós e o contexto, mudarão e, se isso é verdade, “é inútil ter certeza”.
Diante da incerteza, o melhor é seguir caminhando, conectado com o seu “in”, seu interior. De dentro virá a confiança necessária para dar o próximo passo sem ver o horizonte.
E para fechar esse texto celebrando a dúvida, como faria Caetano, digo: é isso. Ou não. Nos encontramos por aí, em alguma curva do caminho.






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