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Atenção para escutar o que você quer saber de verdade

  • Foto do escritor: Nely Silvestre
    Nely Silvestre
  • 19 de set. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de out. de 2022


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Junho de 2022


Será que estamos nos escutando de verdade?


Recentemente, li um artigo da McKynsey falando sobre a Grande Renúncia, movimento de demissão voluntária em massa que começou nos Estados Unidos ano passado e que já chegou por aqui. Nos Estados Unidos, aproximadamente 57 milhões de pessoas pediram demissão entre os meses de janeiro de 2021 e fevereiro de 2022. Dados do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), do IBGE, mostram que, mesmo com toda a crise econômica e desemprego, 600 mil brasileiros pediram demissão em março deste ano, sem ter outras oportunidades em vista.


O que mais me chamou atenção no artigo não foi exatamente o número de pessoas que vem tomando a decisão de deixar as empresas, mas a falta de escuta profunda nas organizações. Eles mostram os resultados de uma pesquisa que tinha como objetivo entender melhor todo este movimento e, ao perguntarem a funcionários e empregadores o que eles acreditavam ser os motivos para as demissões, as respostas foram muito diferentes. As empresas julgaram que os fatores mais importantes para esta decisão eram: buscar um melhor emprego, remuneração inadequada e saúde precária. Os motivos elencados pelas organizações são bastante relevantes, mas os colaboradores escolheram outros fatores como decisivos: sentir-se valorizado pelo gerente, senso de pertencimento e sentir-se valorizado pela organização. Notem que os motivos das partes além de serem diferentes, são também de outra natureza. Os motivos da organização são mais transacionais – remuneração e oportunidade, enquanto o pedido dos colaboradores é por valor intrínseco e pertencimento, portanto, mais relacionais.


Fico me perguntando se estes colaboradores foram verdadeiramente ouvidos e respeitados por seus líderes, colegas e pela organização como um todo. Será que tiveram conversas sobre desejos, medos, sonhos? Será que tiveram conversas sobre propósito e visão de futuro? Será que estas pessoas que pediram demissão puderam ser exatamente quem são, no trabalho?

Imagino que não.


A pandemia de covid-19 impactou a nossa vida em camadas profundas que ainda não temos condição de mensurar completamente. Precisaremos de mais alguns bons anos para ter consciência total deste impacto e é importante estarmos atentos aos pequenos e grandes sinais que estão surgindo, para atuarmos com agilidade. Mesmo antes da pandemia, a relação das pessoas com o trabalho vinha mudando e já dava sinais do desgaste do modelo mental vigente que aposta quase todas a fichas em resultado e produtividade e dá pouca importância para camadas mais sutis e subjetivas do humano. Esse desejo por equilíbrio entre prático e subjetivo, resultado e relação, desafio e acolhimento, estrutura e fluidez só se potencializou após esse período que ficamos confinados. Ter a vida em risco e a rotina completamente alterada nos deu tempo para questionarmos a própria rotina e trazermos mais luz para questões como propósito, qualidade de vida, sentido e significado do trabalho e da vida em si.


É fato que estamos vivendo um momento de transição sobre como nos relacionamos com o trabalho e isso está e continuará impactando a forma como as empresas atuam com as pessoas e com o próprio negócio. Em tempos como esse, onde as certezas anteriores parecem derreter aos nossos olhos e a próxima condição ainda está sob neblina, escutar com atenção é questão de sobrevivência. Acontece que não estamos acostumados a escutar de verdade. Escutamos julgando, contrapondo com receitas anteriores, pensando no próximo argumento ou no próximo compromisso.


Tenho dito que as organizações precisam unir prosa e poesia. Falo isso baseado na minha experiência e na visão de Edgar Morin sobre as linguagens que produzimos enquanto humanos: “seja qual for a cultura, o ser humano produz duas linguagens a partir da sua língua: uma linguagem que é a linguagem racional, empírica, prática, técnica; a outra que é simbólica, mítica, mágica. A primeira tende a denotar, definir, apoia-se na lógica e tenta objetivar sobre o que fala. A segunda utiliza de preferência a conotação, a analogia, a metáfora, isto é, o halo de significações que envolve cada palavra, cada enunciado e ensaia traduzir a verdade da subjetividade.”


No mundo organizacional, estamos muito familiarizados com a linguagem racional (prosa) mas bem pouco acostumados com a linguagem simbólica (poesia). Colocar em segundo plano as subjetividades humanas foi a forma que a primeira revolução industrial encontrou para ganhar produtividade. Mas isso foi no século XVIII!!


Estamos na quarta revolução industrial e ainda não aprendemos a integrar o subjetivo com o objetivo em equilíbrio dinâmico. Sinto que esta revolução é urgente. Se os robôs e o metaverso serão parte do dia a dia, sejamos então “radicalmente humanos”.


A capacidade de empatizar é uma das características que nos faz humanos. Para vermos o mundo a partir do outro, somente escutando atenta e profundamente suas perspectivas. Simone Weil, uma escritora, mística e filósofa francesa disse certa vez: “A atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”. Te convido a ser então atento/atenta e generosa/generoso consigo, com seus colegas, com seu time.


Que tal elaborar algumas perguntas curiosas para a próxima conversa com alguém do seu convívio no trabalho? Te dou aqui algumas sugestões:


- Por que você trabalha com o que trabalha?

- Como e por que você escolheu esta carreira?

- Quais são seus medos? O que te tira o sono?

- Quais são seus sonhos?

- Como você lida com incerteza? O que a incerteza causa em você?

- Como você está se sentindo hoje?


Faça as perguntas e escute sentindo. A escuta é um dos nossos sentidos e precisamos lembrar que sentido, além de um substantivo, é particípio passado do verbo sentir. Escutar sentindo é um grande exercício de conexão, é escutar em poesia ao invés de escutar em prosa. Desejo que seja uma boa conversa, capaz de gerar novos uni-versos entre você e o outro, neste espaço sagrado que é o espaço da relação.


Estamos longe de descobrir como será este novo mundo do trabalho. Enquanto não chegamos “do outro lado”, desconfio que precisamos integrar as subjetividades humanas na vida organizacional, cuidando uns dos outros, atentos, inteiros, navegando e se equilibrando em prosa e em poesia.

Pra não ir embora sem um tantinho de poesia, te deixo um trecho de “O que você quer saber de verdade”, poesia em forma de música, de Marisa Monte:


Atenção para escutar

Esse movimento que traz paz

Cada folha que cair

Cada nuvem que passar

Ouve a terra respirar

Pelas portas e janelas das casas

Atenção para escutar

O que você quer saber de verdade


 
 
 

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As palavras...

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